Educação:
compromisso coletivo
Lançado
em 2009, um livro tem " feito a cabeça” dos estudantes brasileiros: digite
em um site de busca o título “Como ser o pior aluno da escola” e confirme a
popularidade do mesmo pelo número de páginas de consulta que aparece. O autor
do manual do mau aluno é Danilo Gentili, humorista, apresentador, que se orgulha de ter sido um péssimo aluno e parece sofrer da Síndrome de
Peter Pan, com muito medo de crescer e se tornar um adulto cheio de
responsabilidades, o que é muito chato.
Nada contra o Danilo ou o seu
livro, ou qualquer outro autor e sua inspiração literária. A literatura, como
expressão artística, é também a expressão do humano, com as suas virtudes e os
seus defeitos. Nada contra o humor e muito menos a liberdade de expressão.
Muito pelo contrário: parafraseando Voltaire, posso não concordar com uma única
palavra do que você diz, mas vou morrer defendendo o seu direito de dizê-la. E
aqui vou aproveitar e usufruir, também, desse direito.
O problema é outro: temos capacidade
de compreender, como sociedade produtora, reprodutora e veiculadora das mais
diversas mensagens que talvez nossas crianças e jovens não estejam preparados
para ler uma obra dessas e entender que tudo é uma grande piada? Que ela pode
servir, na melhor das hipóteses, para uma reflexão acerca das estruturas
tradicionais na qual a escola está amparada? Ou que eles, ao assistirem aos
vários filmes que incitam à violência e ao bullyng
tenham o entendimento de que a ficção é uma mão dupla com a realidade e que ela
não deve continuar sendo copiada, para não continuar sendo mostrada nos filmes,
nos livrando de uma roda-viva nociva? Ou, ainda, que ao jogar no computador, no
Nintendo Wii, Playstation ou Xbox, possam saber que, desligado o aparelho, a
vida continua sem superpoderes, com limites e responsabilidade num mundo que é
real e não se ganha pontos bombardeando um bunker inimigo ou atropelando
idosas?
Está cada dia mais difícil educar.
O cerco de uma sociedade inteiramente em crise de valores, o assédio de uma
mídia que disputa pontos de audiência e cifras de vendagem e a cultura LCD –
Lábia, Consumo e Diversão a qualquer preço - fazem muita pressão sobre as
crianças e os jovens. Em função disso, resta à família e à escola, nesse
contexto, assumirem exclusivamente toda a responsabilidade pela educação de uma
nova geração. E fazem isso, literalmente, “nadando contra a corrente” em um mar
de superficialidade, de relativismo e dos mais absurdos apelos em que nossa
sociedade se transformou e quer nos deixar submersos. Isso, vamos reconhecer,
quando o fazem, pois a crise de valores, implacável, também atinge algumas
famílias e algumas escolas.
A educação de crianças e jovens é
uma missão difícil, nobre e só dá certo se for comunitária, a exemplo do que
faziam os índios brasileiros do século XVI descritos pelo Padre Fernão Cardim,
em sua "Narrativa epistolar de uma viagem e missão jesuítica”. Nela, o
jesuíta destaca a preocupação coletiva com a educação das crianças da aldeia,
assumida por todo o grupo e não apenas pelos pais e mentores intelectuais.
Resguardadas as diferenças culturais e a época, essa sociedade que rotulamos de
“atrasada” entendia muito mais de educação do que nós. O que eles faziam era o
óbvio: comprometiam-se com o seu próprio futuro e o futuro do espaço em que
habitavam, quando, juntos, educavam a próxima geração, resguardando a sua
velhice e a continuidade de sua espécie, coisa que não estamos mais sabendo
fazer. Educar coletivamente não é um discurso conservador, é apenas uma questão
de inteligência.