sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Educação: compromisso coletivo


           Lançado em 2009, um livro tem " feito a cabeça” dos estudantes brasileiros: digite em um site de busca o título “Como ser o pior aluno da escola” e confirme a popularidade do mesmo pelo número de páginas de consulta que aparece. O autor do manual do mau aluno é Danilo Gentili, humorista, apresentador, que se orgulha de ter sido um péssimo aluno e parece sofrer da Síndrome de Peter Pan, com muito medo de crescer e se tornar um adulto cheio de responsabilidades, o que é muito chato.
            Nada contra o Danilo ou o seu livro, ou qualquer outro autor e sua inspiração literária. A literatura, como expressão artística, é também a expressão do humano, com as suas virtudes e os seus defeitos. Nada contra o humor e muito menos a liberdade de expressão. Muito pelo contrário: parafraseando Voltaire, posso não concordar com uma única palavra do que você diz, mas vou morrer defendendo o seu direito de dizê-la. E aqui vou aproveitar e usufruir, também, desse direito.
            O problema é outro: temos capacidade de compreender, como sociedade produtora, reprodutora e veiculadora das mais diversas mensagens que talvez nossas crianças e jovens não estejam preparados para ler uma obra dessas e entender que tudo é uma grande piada? Que ela pode servir, na melhor das hipóteses, para uma reflexão acerca das estruturas tradicionais na qual a escola está amparada? Ou que eles, ao assistirem aos vários filmes que incitam à violência e ao bullyng tenham o entendimento de que a ficção é uma mão dupla com a realidade e que ela não deve continuar sendo copiada, para não continuar sendo mostrada nos filmes, nos livrando de uma roda-viva nociva? Ou, ainda, que ao jogar no computador, no Nintendo Wii, Playstation ou Xbox, possam saber que, desligado o aparelho, a vida continua sem superpoderes, com limites e responsabilidade num mundo que é real e não se ganha pontos bombardeando um bunker inimigo ou atropelando idosas?
            Está cada dia mais difícil educar. O cerco de uma sociedade inteiramente em crise de valores, o assédio de uma mídia que disputa pontos de audiência e cifras de vendagem e a cultura LCD – Lábia, Consumo e Diversão a qualquer preço - fazem muita pressão sobre as crianças e os jovens. Em função disso, resta à família e à escola, nesse contexto, assumirem exclusivamente toda a responsabilidade pela educação de uma nova geração. E fazem isso, literalmente, “nadando contra a corrente” em um mar de superficialidade, de relativismo e dos mais absurdos apelos em que nossa sociedade se transformou e quer nos deixar submersos. Isso, vamos reconhecer, quando o fazem, pois a crise de valores, implacável, também atinge algumas famílias e algumas escolas.

            A educação de crianças e jovens é uma missão difícil, nobre e só dá certo se for comunitária, a exemplo do que faziam os índios brasileiros do século XVI descritos pelo Padre Fernão Cardim, em sua "Narrativa epistolar de uma viagem e missão jesuítica”. Nela, o jesuíta destaca a preocupação coletiva com a educação das crianças da aldeia, assumida por todo o grupo e não apenas pelos pais e mentores intelectuais. Resguardadas as diferenças culturais e a época, essa sociedade que rotulamos de “atrasada” entendia muito mais de educação do que nós. O que eles faziam era o óbvio: comprometiam-se com o seu próprio futuro e o futuro do espaço em que habitavam, quando, juntos, educavam a próxima geração, resguardando a sua velhice e a continuidade de sua espécie, coisa que não estamos mais sabendo fazer. Educar coletivamente não é um discurso conservador, é apenas uma questão de inteligência.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Homenagem à Vinícus de Moares

Poeta, digo agora, na comemoração de teu centenário, o que não pude te dizer pessoalmente...

Soneto da Imortalidade


De um grande e decassílabo soneto,
Cuja forma se foi transfigurando,
A tua imagem - aos poucos – fulgurando,
A mim proveu, sugerindo o quarteto.

Em vasto mundo de tantos poetas,
Como me espantei, nobre poetinha...
“Privilégio!”, pensei na entrelinha,
“Sou ninguém para te fazer serestas!”

Sorrindo, do alto da tua verdade
                                      Tu  calaste, pois tudo já foi dito:
                                      Em cada verso, tanta saciedade!

Eu, resignada, olhei para o infinito
E na tua obra estava a eternidade,

E o amor, e tudo que já foi escrito.    

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

PEQUENAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DE GRANDES SENSAÇÕES

         
PEQUENAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DE GRANDES SENSAÇÕES


          A sensação que eu tive foi do sentimento não caber em mim. Eu, pequena e insuficiente diante dele. Limitada, baixa demais, magra demais, estreita demais, superficial demais. Muito parecido com um grande contorcionista que tentou entrar em minúscula caixa. Entrou, e lá dentro deu-se conta que ainda não estava preparado. Pernas e braços, cabeça e coluna, pés, mãos, em desesperado romper. Ele - o sentimento – não cabendo em mim, arrebentando-me, procurando frestas, forçando dobras, tentando expelir-se. Ele – contorcionista emocional – imenso, intenso, gigante dentro de mim, pequena embalagem, frágil, rasgando-se.

     Foi assim que eu te senti. Grande demais para caber em mim. Como aquelas alegrias de natais infantis, a visão da árvore e dos tão esperados presentes não cabendo no pequeno coração, ou a imagem bonita demais para as pequenas pupilas. Gigante como a alegria incomensurável da primeira bicicleta. A visão do carimbo “aprovado” no boletim, depois de um ano difícil. O primeiro amor de verdade. Deliciosos beijos. Um orgasmo. Uma grande perda. Um epílogo do Machado, quando eu ainda não sabia o que era positivismo. A boa carne frita que preparava a minha falecida avó. Banho de rio. Pescaria com o meu pai. Paixão. Os reencontros. Continuar em alguém. Enorme como todas essas sensações, assim tu te fizeste. Sinto-me insuficiente desde muito tempo. Fizeram-me pequena demais para tanto sentir. Pequena demais para tamanhos sentimentos. Por que, contigo, haveria de ser diferente? Um sentimento assim arremessou-me contra meu interior, quis explodir em vários momentos. Controlei-o .Saiu-me pelas cordas vocais em sutis cantarolares embaixo do chuveiro; na contemplação de um ou outro movimento teu; na visão embaçada e distorcida que fiz do teu ser; em auroras que queria boreais; em vagos e, por vezes, divertidos cogitares. Espremido, mas ainda intenso, saiu e dançou ao meu redor enquanto eu fazia coisas quaisquer. Escapuliu em contos, crônicas, poesias; em conversas distraídas; em sonhos. Vazou em conversas telefônicas, em correspondências eletrônicas e encontros casuais. Saiu, infinitamente, então solto, livre, desamarrado, em divagações, fantasias e projeções que, possivelmente, nunca acontecerão.

     Foi assim que pensei o quanto foi boa a tua presença, ainda que incomodando, forçando, pressionando, e te disse um adeusinho até saudoso. Mas apenas te esquivaste. Bastou eu amolecer, entraste novamente nesta caixinha, eu outra vez pequena demais. Tu, outra vez, gigante demais, intenso demais, tentando arrebentar os grampos, a cola, as tachas que me seguram. Vivo demais. Real demais. Por demais encaixotável.